sexta-feira, 10 de julho de 2009

O mal-estar de Ed Rose


Ed Rose é uma pessoa pouco afeita a firulas metafísicas. Cultivada nos bancos escolares do pragmatismo, é impaciente com elucubrações teóricas e discussões intermináveis. Cultiva ainda uma leve desconfiança pela retórica excessiva e olha de soslaio para os barroquismos de matizes diversos. Valoriza um estilo, às vezes, quase seco que alguns confundem com rudez e outros com grosseira. Jura que não namorou o conservadorismo político que fez a festa no Brasil ao longo da década de noventa e início dos anos 2000 e não ocupa nenhum cargo em qualquer secretaria de cultura quer do governo de estado quer da prefeitura da sua cidade. As ambigüidades de Ed Rose são muitas, mas nada que fira seus princípios que um dia flertou com certo igualitarismo ingênuo: se diz adepta da, até agora indefinida, teoria da neutralidade estratégica.

Anda pela cidade, especialmente naqueles circuitos de arte e cinema que atrai pouco apelo popular, por assim dizer, mas não dispensa um bom blockbuster. Por isso, não deixa de ser alvo de risos e gracejos dos amigos mais retilíneos. Isso lhe atormenta aos domingos à noite. Veste aquilo que os fashionistas chamam de casual básico: jeans, camiseta e alguns adornos (não aquele da indústria cultura, deste Ed Rose quer distância). De vez em quando usa óculos com design italiano que tem feito a cabeça de estudantes de comunicação. Mesmo assim não está à vontade nesse figurino. Tem, ultimamente, achado tudo demodê. É provável que Ed Rose assuma no futuro uma vestimenta mais solene, afinal não se pode desprezar a ação do tempo, ele também ataca o seu esqueleto, seu espírito jovial e livre.

Ed Rose curte uma estranha mistura de Roberto Carlos, Odair José, Chico Buarque, Radiohead, Interpol, Joy Division, Kinks, Moby Grape e outros nomes inclassificáveis, mas chora mesmo ao som das músicas de Evaldo Braga e Fernando Mendes. Diz não tolerar pular carnaval ao som dos “grandes artistas da música baiana”, seja lá o que isso signifique, porém tem vários amigos que gostam de ver e ouvir a irreverência de um famoso cantor cinqüentão local, mas que esbanja o espírito e o frescor de um adolescente desmiolado. Não deixa de ver a saída do ilê-Aiyê, uma espécie de solidariedade política com o sofrimento do povo negro de Salvador, mas Ed Rose é incapaz de chegar perto da ladeira do Curuzu nos outros dias do ano. Segundo suas palavras, fazer isso é praticar turismo antropológico. Não tem tempo: os ônibus de Salvador tomam boa parte de sua semana, mas Ed Rose sempre agradece ao motorista quando desce da condução. Tudo isso só lhe causa um pequeno desconforto na quarta-feira de cinzas quando Ed Rose passa pelo centro da cidade e sente o cheiro forte e nauseante de urina, vômito e cerveja, mas não sabe por quê.

Ed Rose acredita que não se deve aceitar as ofertas sem vacilar. Por esse motivo, recusou ofertas de cargos em várias instâncias de governo, lhe convidaram para os postos que, até o momento, a coalizão política de plantão não possui quadros para ocupar. Ficou sabendo, com certo pavor, que “salário de verdade” – para a turma que fez movimento estudantil com ela na época da faculdade e que agora está apinhada nos aparelhos de estado— é dez mil reais para cima. Menos, é salário de miséria, ou melhor, não é. Sente um prazer ingênuo e certa inveja também por não fazer parte disso. Tem um sentimento de pureza e parece se orgulhar disso.

Ed Rose não tolera coisas mal-feitas. Por isso tende a exagerar nas doses de crítica e nos comentários que direciona a tudo que vê, ouve ou lê, não se sente melhor com isso, mas apenas pensa que as coisas poderiam ser diferentes; por esta razão seus textos exalam uma maledicência e ressentimento congênitos, traços marcantes daqueles seres que desistiram da própria existência e passam a se interessar pela vida alheia. Acredita assim poder dar sentido à sua vida: isso sim é serviço social, balbuciou certa vez com ar de contentamento. Por esse motivo, Ed Rose não deixa de ser implacável consigo, com os amigos e, sobretudo, com os inimigos que ela prefere chamar de adversários. Resta saber se depois disso, Ed Rose vai sobreviver a si mesmo.

Por: Bigode

Nota: Bigode (Hermenegildo Damasceno da Mata, 44) é psicanalista existencio-freudo-lacaniano e atende, gratuitamente, às segundas-feiras num Box imaginário na Feira de São Joaquim em meio a cortes de maminha, alcatra, chupa -molho, patinho e picanha. Ele aceita vale e passe.


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A baianidade

Esse mal que nos acomete; esse jeito fuleiro de ser; esse berimbau que desafina.